Tempos difíceis pela frente. A quase dois meses do início da safra 2014/15, as usinas de açúcar e etanol do centro-sul do Brasil vão começar o novo ciclo descapitalizadas e sem perspectivas para expansão - cenário não muito diferente do ano anterior. O faturamento do setor para a safra 2013/14, que se encerra em março, deve fechar em cerca de R$ 70 bilhões - quase a soma das dívidas dessas indústrias. ?As usinas começam a nova safra já devendo uma safra inteira?, diz Alexandre Figliolino, diretor do Itaú BBA.
O setor viveu seu boom de investimentos no início dos anos 2000, impulsionado pela retomada do consumo do etanol proveniente do aumento da venda dos carros flex. Agora, as empresas tentam empurrar para frente a dívida contraída, sobretudo entre 2006 e 2008, quando passaram por movimento de expansão e consolidação.
Altamente endividadas para bancar a expansão dos negócios, as empresas foram abatidas pela crise global a partir de setembro de 2008. Algumas das tradicionais famílias de usineiros cederam espaço para grupos internacionais, que se aproveitaram da fragilidade financeira das companhias para entrar no setor. Hoje, cerca de 40 grupos estão em recuperação judicial e dezenas de unidades foram desativadas.
Não foi fácil para muitas empresas reduzir de forma mais expressiva o nível de endividamento, observa Andy Duff, diretor do banco holandês Rabobank. ?Agora, com preços de açúcar menores, mesmo com a compensação de um real mais fraco, as margens devem seguir pressionadas?, afirma. ?A relação dívida/Ebitda de várias empresas deve subir. A dívida não está caindo e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) está diminuindo, a patamares que acendem luzes amarelas, ou até vermelhas, porque a capacidade da empresa para pagar as dívidas e manter o investimento pode ser comprometida, sinalizando a necessidade de buscar mais dívida.?
No mercado de etanol, a situação também é desanimadora. Com a política do governo de segurar o preço da gasolina para conter a inflação, o combustível verde perdeu competitividade. E as descobertas do pré-sal deixaram o etanol de escanteio.
Terceiro maior grupo do País, a Odebrecht Agroindustrial não descarta fechar unidades nos próximos dois anos, caso a situação não se reverta. A empresa decidiu entrar nesse segmento em 2007, auge da expansão das usinas. Em sete anos, posicionou-se entre as líderes. ?Se a situação não se resolver, o plano B não é bonito. Vamos fechar usinas?, diz o presidente Luiz de Mendonça.
Mendonça deixou claro que, apesar de a empresa fazer parte de um conglomerado nacional, sua capacidade de investimento é limitada. A subsidiária tem a meta de investir mais R$ 1 bilhão por ano, em 2014 e 2015, para atingir sua meta de moagem de cana, de 40 milhões de toneladas/ano. Na atual safra, a companhia moeu 22,5 milhões de toneladas.
O endividamento continua a preocupar a Odebrecht Agroindustrial. A atual situação da empresa levou o fundo britânico Ashmore, que detém 13% do negócio, a fazer uma provisão equivalente a 90% de seu investimento. A Ashmore era originalmente uma das sócias da Brenco, empresa que enfrentava sérias dificuldades financeiras e foi incorporada à ETH em fevereiro de 2010. ?Se nada mudar, vamos em breve ver a Brenco, 2ª parte.? Mendonça diz que o setor precisa saber qual é o plano do governo para o etanol dentro da matriz energética. ?Precisamos de um número para trabalhar a partir dele.?
Longo prazo
A União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) reforça o coro. ?Queremos medidas de longo prazo. Temos um canal aberto com o governo, mas temos de ter um sinalizador para o futuro?, afirma Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da entidade.
Enquanto esses sinais não chegam, disciplina financeira é a palavra de ordem das usinas. Segundo maior grupo do País, a Biosev, controlada pelo grupo francês Louis Dreyfus, segue à risca essa cartilha e trabalha para expandir a produtividade de suas usinas em operação. À frente da Biosev desde o fim do ano passado, Rui Chammas afirma que em um cenário desafiador a companhia tem de ser rigorosa com a produtividade. ?Temos de maximizar o uso dos ativos e buscar agregação de valor de suas usinas em operação?, diz o executivo, em uma linguagem de mercado pouco usual até há pouco tempo no setor, antes dominado por grupos familiares.
Com 12 unidades em operação, a companhia está extraindo ao máximo o uso da tecnologia no campo para elevar a rentabilidade, sem fazer expansão. ?Plantamos a cana com GPS para saber o caminho a ser feito pela colheitadeira para não ter desperdício?, diz. ?A melhor maneira de agregar valor ao acionista é trabalhar com disciplina financeira e usar os ativos da melhor maneira possível.?
?O nome do jogo hoje é custo baixo?, diz Figliolino, do Itaú BBA. ?As usinas estão mais preocupadas com custos do que com expansão.?
Segundo Júlio Maria Martins Borges, da consultoria Job Economia, este será o segundo ano seguido que as usinas operaram com preços abaixo do custo de produção. ?O setor passou por mudanças nesses últimos anos. O produto (cana) é o mesmo, mas o negócio é diferente?, afirma, referindo-se às mudanças de gestão das usinas, que passaram a se preocupar com boas práticas de governança. ?A administração do negócio tornou-se complexa. Os grandes grupos já estão nesse caminho. Os médios buscam estruturação adequada, com a adoção de conselhos consultivos.?
Com a crise em curso, o intenso movimento de fusão e aquisição está lento. ?O setor está em baixa por questões conjunturais e os negócios não estão acontecendo por expectativas divergentes em relação aos valores dos ativos?, diz Guilherme Paes, presidente da área de banco de investimentos do BTG.
(Por: MÔNICA SCARAMUZZO E FERNANDO SCHELLER - Agência Estado)