Com safra de cana estagnada, Brasil "desligará" mais capacidade de moagem em 2018/19.
Por José Roberto Gomes.
SÃO PAULO (Reuters) - O centro-sul do Brasil, principal região canavieira do mundo, pode iniciar a próxima safra com quase 9 milhões de toneladas de capacidade de moagem “desligada”, reflexo de grupos sucroenergéticos endividados ou em busca de redução de custos e otimização da operação em meio à falta de matéria-prima.
O volume, calculado pela Reuters com base em informações apuradas no mercado, pode aumentar para mais de 20 milhões de toneladas considerando alguns grupos em recuperação judicial que ainda vivem incertezas sobre a continuidade das atividades na temporada 2018/19, que começará em abril.
O total parado não necessariamente representará perda de capacidade, até porque as unidades poderão ser reativadas no futuro, mas mostra as dificuldades de um setor com produção de cana estagnada, devido a investimentos insuficientes no passado recente, enquanto aguarda os efeitos de uma nova política de biocombustíveis para retomar a expansão da cultura.
Até o momento, Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, e Biosev, braço sucroenergético da Louis Dreyfus Company, informaram oficialmente que algumas de suas usinas não vão funcionar na próxima safra.
Os dois grupos são os maiores do setor sucroenergético mundial e buscam, com a medida, otimizar as operações.
Citando “escassez de cana”, a Raízen informou em novembro que suspenderá as atividades nas usinas de Dois Córregos, em Dois Córregos (SP), e Tamoio, em Araraquara (SP), redirecionando a matéria-prima para outras unidades da empresa, o que não resultará em redução de moagem do grupo.
Procurada, a empresa disse que não detalha a capacidade de moagem das usinas “por razões estratégicas”, mas uma fonte próxima à área operacional afirmou que ambas podem processar, juntas, quase 3 milhões de toneladas de cana por ciclo.
“A escassez de cana... levou a Raízen a decidir especificamente por hibernar as menores unidades, notadamente Tamoio e Dois Córregos, mantendo as maiores usinas e reduzindo assim os impactos sociais causados pela otimização. A operação agrícola da Raízen e de seus fornecedores de cana nas regiões... não será impactada”, afirmou a companhia, em nota.
Já a Biosev, visando reduzir custos de produção, não operará a usina de Maracaju, em Mato Grosso do Sul, que tem capacidade para esmagar 1,8 milhão de toneladas de cana por temporada.
O total de unidades desligadas pode ser ainda maior caso Abengoa Bioenergia Brasil (ABBR), do conglomerado espanhol Abengoa, e Renuka do Brasil, subsidiária da indiana Shree Renuka Sugars, não tenham fôlego para dar continuidade às atividades.
Ambas, que estão em recuperação judicial, possuem duas usinas cada no Estado de São Paulo.
“A Renuka ainda está avaliando. Não devem operar a Revati (em Brejo Alegre), talvez fiquem com a Madhu (em Promissão). É muita especulação por enquanto”, afirmou uma fonte próxima às atividades da empresa, que não descarta que ambas não operem em 2018/19.
A usina Revati, cujo leilão judicial está suspendo a pedido do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pode moer quase 4 milhões de toneladas por ciclo.
A Renuka não pôde ser contatada para comentar a respeito.
Já a ABBR, em operação no país desde 2007, corre o risco de ir à falência caso seu plano de recuperação judicial, ainda não apresentado, não seja aprovado pelos credores, avaliou outra fonte ligada a produtores de cana.
A subsidiária da Abengoa afirmou em nota à Reuters que ainda está em negociação com os credores.
Com unidades em São João da Boa Vista e Pirassununga, a ABBR entrou com pedido de recuperação judicial em setembro. Em nota, a matriz na Espanha disse que o setor sucroenergético brasileiro continuará enfrentando “as mesmas dificuldades” atuais em 2018/19, mas frisou que “o objetivo no próximo ano é ter uma operação normal nas (suas) usinas”.
As quatro usinas de ABBR e Renuka do Brasil têm capacidade combinada para moer mais de 16,5 milhões de toneladas por safra. Assim, caso também não operem em 2018/19, levariam o centro-sul a “desligar” mais de 20 milhões de toneladas em capacidade de esmagamento.
MENOS CANA
Pelas estimativas do setor, o centro-sul do Brasil conta hoje com capacidade para moer de 620 milhões a 640 milhões de toneladas de cana por safra, de modo que o possível “desligamento” daquelas usinas não deve interferir no processamento final do próximo ciclo.
De acordo com a média de estimativas colhidas pela Reuters no início de dezembro, a região deverá moer cerca de 590 milhões de toneladas em 2018/19.
“Não vemos impacto no curto prazo, porque a próxima safra terá uma oferta de cana inferior (à capacidade de moagem)”, resumiu o diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues, em nota.
“A moagem final de safra depende da capacidade nominal diária de cada unidade, dos dias corridos de safra, do tempo aproveitado para moagem”, acrescentou.
Especialistas, no entanto, alertam que essa “perda” ressalta as dificuldades pelas quais ainda passa o setor sucroenergético, que em governos anteriores sofreu com controle das cotações domésticas da gasolina, além de baixos preços internacionais do açúcar, acumulando dívidas bilionárias e vendo mais de 70 usinas fecharem as portas.
“É mais um sintoma do que uma preocupação... Em geral, as usinas ‘desligam’ as plantas para tentar otimizar a operação. Lançam mão desse recurso em grande parte porque o setor não tem aumentado a área plantada nos últimos anos. A área está declinante, e a idade média de canaviais está muito elevada”, afirmou o analista de açúcar e etanol da INTL FCStone, João Paulo Botelho.
Na mesma linha, o sócio-diretor da JOB Economia e Planejamento, Julio Maria Borges, comentou que “o setor parou de crescer nas últimas safras”.
“Estão ‘desligando’ usinas para otimizar a operação, pois há mais capacidade para moer do que cana”, destacou.
Dados divulgados na terça-feira pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que os canaviais deverão ocupar 9,2 milhões de hectares no centro-sul em 2017/18, queda de 1,3 por cento ante 2016/17.
Nessa conjuntura, o setor aposta no RenovaBio, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, como um meio de reverter a situação e voltar a investir.
O RenovaBio está alinhado aos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo do Clima de Paris, incluindo o corte de 43 por cento das emissões de gases do efeito estufa até 2030, o que demandará uma produção de cerca de 50 bilhões de litros de etanol, praticamente o dobro do fabricado atualmente, segundo a Unica.
Pelas estimativas do setor, o programa pode gerar ainda investimentos de 1,4 trilhão de reais até 2030.
“No futuro, com a recuperação da produtividade agrícola, maior oferta de cana, o setor terá que ampliar a capacidade instalada”, comentou Rodrigues, da Unica, entidade que não detalhou o tamanho da capacidade instalada de moagem no centro-sul do Brasil.